terça-feira, 10 de setembro de 2013

Isola Madre & Isola Bella: os inebriantes jardins do Paraíso

"Por mais fantástica e maravilhosa que Isola Bella possa ser, e é, continua sendo belíssima."

Charles Dickens

Voltei para a casa de meus tios, na sempre calma Lugano, Suíça, e naquele final de semana fomos juntos a um local no norte da Itália não muito conhecido, mas que há anos sonhava em visitar: o arquipélago Borromeu, mas principalmente Īsola Madre (ilha Mãe) e Īsola Bella (ilha Bela).
Este pequeno arquipélago de três ilhas (a terceira é a Īsola dei Pescatori, ilha dos Pescadores) fica no lago Maggiore, que apesar do nome (maior) não é o maior da Itália; este título cabe ao de Garda.


Os lagos da Itália, principalmente o de Garda, de Como e Maggiore, sempre foram um lugar de férias e veraneio da alta sociedade, especialmente no início do século passado, onde inúmeras e luxuosas vilas e hotéis foram construídos nas suas margens.

Isto se deve, é claro, à estonteante beleza da região, com encostas íngremes cobertas de florestas, lagos que refletem os Alpes e um clima extremamente agradável. As cidadezinhas de pescadores que se desenvolveram na região têm um charme único, simples, e que contrasta com os gigantescos hotéis de luxo dos séculos XIX e XX.

Não é à toa que até a princesa Padmé, do Star Wars, tem a sua casa de campo lá, como mostra no filme. Não existe paisagem como aquela em todo o universo! A princesa mora mais especificamente na Villa del Balbianello, comuna de Lenno, no lago de Como. Quando comprou a Villa, fez algumas mudanças arquitetônicas e acrescentou umas cúpulas, mas se conferirem as imagens que postei verão que o lugar é o mesmo.

Villa Balbianello, antes das reformas conduzidas pela princesa Padmé.
Foto retirada da internet.

Villa Balbianello depois das reformas conduzidas pela princesa Padmé.
Foto retirada da internet.
Mas no caso estamos no lago Maggiore e vamos falar do arquipélago Borromeu, que pertencia a uma poderosa família de feudatários florentinos. Construíram lá os seus palácios e pouco a pouco foram criando os jardins, que resultaram em dois bem distintos, um em cada ilha.

Em Isola Madre, o jardim é em estilo inglês, e serve também de jardim botânico, com mais de 2000 espécies de plantas. Em Isola Bella, o jardim é em estilo italiano e possui uma construção em terraços semelhante aos Jardins Suspensos da Babilônia, além de um belíssimo palácio barroco.

Pegamos o barco em Stresa e fomos primeiro a Isola Madre, onde após subir uma escadaria fomos acolhidos por uma alameda de camélia gentis de vários tipos e canteiros de papoulas multicoloridas. Mais à frente, à estrada fazia uma curva, ladeada por palmeiras e samambaias. O microclima particular daquelas ilhas permite o vicejo de muitas plantas tropicais e subtropicais.

Detalhe dos jardins. Parece um paraíso tropical, não?

Por fim, chegamos ao famoso "Gramado das Corcovas", pois as raízes de uma antiga árvore que tem ali cresceram para fora da terra, retorcendo-se em inúmeras formas arredondadas. O Gramado é emoldurado por azaleias e rododendros de todas as cores. Aliás, essa é a principal atração da ilha, pois quando essas plantas estão floridas o espetáculo é inacreditável e se encontra por toda a parte, pois os canteiros de azaleias delimitam os vários gramados da ilha.

Gramado das Corcovas. Estupidamente esqueci de fotografar as corcovas,
mas se vê algumas no canto da foto :-P

A beleza daquela ilha é inacreditável. Como é a proposta do jardim inglês, as paisagens são tão naturais e harmoniosas que parece que as plantas brotaram assim como estão. E como se não bastasse a beleza das flores, do lago e das paisagens, a ilha foi povoada com pavões, periquitos e faisões, que vivem selvagemente como se os jardins fossem uma espécie de Jardim do Éden onde criaturas exóticas e fantásticas de todas as partes do mundo coexistem entre si.

Recoberto de gramados com plantas diversas e flores curiosas, se prossegue o passeio caminhando entre os pavões que parece que foram ensinados a entreter os visitantes. Basta olhar para um que abrem a cauda e ficam exibindo-se para as câmeras fotográficas.

Fauna típica de Isola Madre.

O palácio é muito bonito e elegante. À sua frente está o maior cipreste-asiático da Europa, que foi derrubado por uma violenta tromba d'água que varreu a ilha de oeste a sul numa tempestuosa noite de 2006. Foram feitos esforços homéricos para salvar a árvore, mas que deram resultado pois hoje ela está ali, firme e forte, embora ostentando as cicatrizes daquela fatídica ocasião. Infelizmente naquele dia ela estava circundada por uma coisa esquisita que atrapalhava a foto, umas formas metálicas que certamente algum insensato chama de arte contemporânea.

O Palazzo Borromeo.

O maior cipreste-asiático da Europa.

Fiquei surpreso com a imensa coleção de marionetes e belíssimos cenários para teatro de marionetes que há dentro do palácio, além de inúmeros roteiros para apresentações. Infelizmente não consegui descobrir a quem pertencia, quem executava e quem assistia, nem a história daquilo tudo. Mas isto serviu para começar a imaginar como seria a vida naquele palácio centenas de anos atrás.

Marionetes em posição, que comesse o ato!

Apesar dos jardins luxuriantes imaginei uma cena invernal. Uma rica e aristocrática família, reunida em uma sala iluminada por uma lareira, numa noite uivante de inverno, com o vento cortante fazendo gemer as árvores e as estruturas da velha mansão. As montanhas ao redor são gelo e neve, mas talvez a ilha não esteja coberta de branco devido ao seu microclima temperado.

As marionetes são agitadas no escuro, talvez por um tio afável com os sobrinhos mais velhos, que encenam uma peça de Arlequim e Colombina, enquanto as crianças mais novas assistem com olhar compenetrado, os menores no colo das mães. O respeitável Sr. Borromeu assiste enquanto sopra por entre os amplos bigodes a fumaça do charuto. Não vê a ora de ir para a sala adjacente para beber um conhaque ou um nocino e discutir com seus amigos e parentes homens a política daquele fim de século XIX. Devia ser uma vida agradável e prazerosa, ditada pelos ideais românticos daqueles anos distantes.

Primeiro ato de Arlequim e Colombina.

Saímos para a parte de trás do palácio e aparecemos em uma espécie de terraço balaustrado que dá acesso a um jardim através de duas escadarias simétricas. Uma terceira escadaria conduz ao lago, e é recoberta por dezenas de glicínias de variedades diversas que envolviam tudo com o seu inebriante perfume de baunilha.


Neste pátio há uma colorida capela e um espelho d'água com nenúfares e íris-da-sibéria, circundado por tulipas que mais pareciam flores-de-lótus e que reflete as construções e estátuas ao redor, além dos quatro butiás que o emolduram. Ali há também um pergolado recoberto com uma variedade de glicínia que eu nunca tinha visto, com flores cor-de-rosa.

Páteo do lago e terraço balaustrado vistos debaixo do pergolado de glicínias rosas.
Caminho lateral do palácio.

Seguimos o passeio contornando o palácio, que neste ponto é emoldurado por flores diversas, renques de buganvílias e palmeiras subtropicais, descemos mais caminhos sinuosos por gramados e magnólias até um café que havia no cais, onde esperamos o próximo barco que nos levaria a próxima ilha, a Isola dei Pescatori.

Azaleias e rododendros nos jardins da ilha.

Adicionar legenda

Deixamos Isola Madre e seu palácio despontando sobre as copas dos ciprestes e palmeiras e fomos à próxima ilha. Neste ano nevou extraordinariamente muito na primavera (num dos primeiros posts comentei a neve inesperada no Piemonte) e em seguida choveu muito, de modo que a água do gelo derretendo mais as chuvas encheram o lago até que transbordasse. De fato, muitos bares e restaurantes na margem estavam sob a água.

Bar inundado em Isola dei Pescatori.

Isola dei Pescatori é completamente recoberta pelo vilarejo, que emerge do lago como uma pequena e inesperada Veneza. A cidade é muito bonitinha, com ruas estreitas cheias de trattorie e lojas de suvenires e artesanatos (nenhum dos quais típico da região). É muito peculiar como vila, realmente vale a pena o passeio.

Isola dei Pescatori.
Vista aprazível em Isola dei Pescatori.

Depois do almoço prosseguimos, pegando o barco para a última e mais sugestiva ilha, Isola Bella.

Lá também há um pequeno vilarejo, mas o edifício dominante é, senão os jardins a terraços, o estupendo palácio barroco que adorna a ponta da ilha como a proa ornamentada de um navio. Dentro, tudo o que um palácio deve ter: quartos, obras de arte, um grande salão de recepção, um maior ainda de bailes, cheio de espelhos e candelabros, como ditava a moda lançada em Versalhes.

Isola Bella sobre o lago Maggiore.

É interessante que sob o palácio há uma espécie de cripta decorada com motivos marinhos usando conchas e pedras do Vesúvio, com uma bela vista do lago pelas janelas. Essa cripta servia de refúgio à família nos dias mais quentes do verão, que vinham para baixo gozar do frescor da terra em dias ociosos.



Cripita de verão da família Borromeu.

Há um magnífico modelo do Bucentauro (do vêneto: barca de ouro), uma gloriosa galera cerimonial dourada que era usada pelo Doge de Veneza nas celebrações que comemoravam o matrimônio de Veneza com o mar.

Parte de trás do palácio.

Prosseguimos para fora do palácio, percorremos um caminho estreito, subimos uma escadaria e desembocamos nos jardins. Um largo passeio conduz diretamente à estranhíssima construção a terraços do jardim, que parece um zigurate rococó, mas que não deixa de ser muito bela e fascinante.

Revestido de pedras vulcânicas, fontes, pináculos, anjos e criaturas mitológicas, assoma sobranceiro no jardim que, naquele pesado dia nublado, conferia um ar transcendental à ilha, como se fosse um templo antigo de uma civilização extinta.

O "Zigurate Rococó" de Isola Bella.

Pavões brancos caminhavam solenes pelos jardins, refletindo suas plumas alvíssimas nos espelhos d'água emoldurados por tulipas e lantanas. Ou então empoleiravam-se austeramente nos balaústres e ali ficavam olhando o lago, como noivas que esperam a chegada do amado. De vez em quando soltavam os seus sofridos cantos lamentosos, como se todas as angústias do mundo pudessem ser reclamadas num único grasnido de ave.

Este passeio serviu como prova definitiva de que o pavão branco é muito mais bonito que o colorido, pois sua brancura e sobriedade são muito mais impactantes. Depois, encontrar uma ave assim tão branca e com cores tão puras é relativamente raro.


Pavão em Isola Bella. Poucas aves são tão elegantes quanto essa.

Toda sorte de flor enfeita aqueles jardins oníricos, que é dividido por terraços e balaústres, escadarias e alamedas topiadas. Estátuas estão espalhadas por todo o lado, decorando ângulos e caminhos. Há algumas torres e uma estufa para plantas tropicais, as mais belas das quais são orquídeas do gênero Vanda.

Espelho d'água com tulipas dobradas.
Torre dos jardins.

Azaleias chegando ao auge da sua floração.

Na ilha há muitos recantos e detalhes encantadores e secretos, que talvez só um observador minucioso perceba, mas a recompensa aos atentos é, como sempre, gratificante.

O que é realmente esplêndido são as azaleias, que naquela época do ano estavam quase no auge do seu esplendor, que se verificaria poucas semanas mais tarde. Mas por ora já era estupendo. Detrás do "zigurate" há um lindo jardim clássico renascentista, com os buxos topiados fazendo vários desenhos.

Detalhes que fazem toda a diferença.

Isola Bella é muito mais bonita que Isola Madre (embora esta última seja estupenda, não a estou desmerecendo!). É de uma beleza e uma peculiaridade tão grande que me faltam adjetivos para defini-la. Não é à toa que até deixou Charles Dickens redundante, porque é realmente um lugar único e muito especial. Mais um item na minha interminável lista de lugares épicos, de mitos, fábulas, etc., que podemos encontrar na Itália.

Desculpem o excesso de fotos no post, mas tive eu também que ser redundante. Não faz sentido ficar escrevendo quando palavras não bastam para descrever o lugar. Nem mesmo fotos servem, pois só sabe como são paradisíacas estas ilhas quem lá já esteve, mas assim dá para ter uma ideia de como é.

Reparem duas coisas neste jardim: O aspecto meio onírico
 do jardim e a cor do sol italiano.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Nápoles: cidade de contrastes

"E nce ne costa lacreme st'America
A nuje napulitane
Pe' nuje ca nce chiagnimmo 'o cielo 'e Napule
Comm'è amaro stu ppane!"*

Massimo Ranieri

Então, finalmente a hora de conhecer a célebre Nápoles, mil vezes aclamada e declamada ao som de pandeiros e bandolins. Muitas expectativas. Tomei o trem na estação de Sant'Agnello e desci a península Sorrentina. Atravessei o golfo e finalmente cheguei na estação Garibaldi, em praça Garibaldi, no centro da cidade.

A primeira impressão: péssima. É verdade que um dia chuvoso não ajuda em nada quando você vai conhecer uma cidade, e talvez Nápoles não seja uma cidade que você gosta logo de cara. Por que? É caótica, barulhenta, mal cuidada, feia e imunda. Uma decepção, pois todos dizem que Nápoles é uma cidade cheia de vida, alegre e colorida; e talvez até seja. Mas naquele dia particularmente úmido e cinzento a sujeira das paredes e das ruas era evidenciada. Além disso, a praça Garibaldi estava em obras, que nunca são um cenário bonito, e havia centenas de imigrantes ao redor esfregando bugigangas na sua cara e tentando fazê-lo comprar algo.
 
Mas enfim, segui caminhando pela avenida Umberto I, ao menos esta bonita e elegante, com grandes prédios em estilo eclético. Meu destino era o lugar que eu mais queria visitar na cidade, a capela de Sansevero, construída pelo maçom e alquimista Raimondo de Sangro, príncipe de Sansevero, para abrigar a sua fabulosa coleção de esculturas, além das "máquinas anatômicas", aziagos cadáveres petrificados por um seu experimento alquímico.

Cheguei na capela, entrei, e fiquei surpreso. Primeiro, com a delicadeza da decoração barroca. Depois, com a beleza das esculturas que ornamentam todo o perímetro do edifício. Cada uma mais incrível, mais perfeita e mais bela que a outra.

Momentos depois, notei uma coisa curiosa. Para uma capela, havia pouquíssimos ícones ou referências religiosas. O que pareciam estátuas de santos são na verdade alegorias de virtudes ou esculturas de personagens, a maioria antepassados do príncipe. Na verdade, olhando bem, parecia mais uma loja maçônica, tão cheia de referências a essa seita que a capela era.

Mas as esculturas eram de fato inacreditáveis. Uma das que mais gostei é a Pudor, de Antonio Corradini que representada por uma mulher nua, recoberta por um véu transparente da cabeça aos pés. Mas como um véu transparente numa estátua de pedra? Pois, esta é a magia da coisa. O véu era tão leve e delicado que deixava entrever o corpo da mulher, e além disso, era remexido por uma brisa que o escultor conseguiu cristalizar no mármore.

Pudor, de Antonio Corradini.
Foto retirada da internet.

Outra, absolutamente maravilhosa, é Desengano, de Francesco Queirolo. Representa um homem livrando-se do pecado, auxiliado não por um anjo, como poderia se esperar em uma estátua de igreja, mas por um gênio alado, que traz na cabeça uma pequena chama, símbolo do intelecto humano. A escultura mostra um homem preso num emaranhado de redes de pesca, conseguindo sair enquanto olha surpreso para o gênio, que o auxilia com um olhar de infinita curiosidade. A beleza desta escultura reside na rede de pesca, que foi esculpida magistralmente, pois cada volta da corda, cada nó foi representado com notável precisão. Esta escultura foi dedicada pelo príncipe de Sansevero ao seu pai, o duque de Torremaggiore, que depois da trágica morte de sua esposa passou a viver uma vida mundana e transviada.
Desengano, de Francesco Queirolo.
Foto retirada da internet.

Se eu fosse comentar todas as esculturas que vi, tomaria o post inteiro. Por isso falo de mais uma, indispensável. Esta é o Cristo Velado, de Giuseppe Sanmartino. É tão magnífica que está no centro da capela e é sua principal atração. Mostra Jesus morto, envolvido pelo sudário. Mas, o que é impressionante é, mais uma vez, a transparência do pano que o recobre. Parece linho finíssimo, ao ponto de mostrar as pálpebras, as feridas, o relevo dos ossos, todos os detalhes. Além disso, a serenidade da obra de comover o mais tosco dos indivíduos. Fiquei muito tempo admirando a escultura e tentando descobrir como o artista  havia conseguido fazer tais detalhes.

Cristo Velado, de Giuseppe Sanmartino.
Foto retirada da internet.

Por fim, desci à cripta para ver as duas tenebrosas "máquinas anatômicas", um dos mais macabros experimentos do príncipe de Sansevero.  Estes são dois corpos cujo aparelho circulatório foi perfeitamente conservado, através de uma técnica misteriosa que até hoje, mais de 200 anos depois, nunca foi desvendada.

Já foram feitos inúmeros testes químicos, mas até o momento ninguém sabe como foi possível metalizar o sistema circulatório tão perfeitamente, até o menor dos vasos capilares, numa época em que os conhecimentos da anatomia eram tão atrasados. Acredita-se, através de um documento anônimo encontrado no palácio do príncipe, que foi injetado nos cadáveres uma substância com mercúrio, criada pelo próprio príncipe.

Os corpos são impressionantes. São os esqueletos de um homem e de uma mulher (e junto dela originalmente havia um feto, roubado dezenas de anos atrás), envolvidos por todas as suas veias e artérias e com os olhos secos esbugalhados dentro das órbitas. São peças tão curiosas que deram origem à "lenda negra", onde dizem que o príncipe mandou matar dois de seus criados para usá-los neste experimento químico.

Uma "máquina anatômica" de Sansevero.
Foto tirada da internet.


Ver estas "máquinas" não é para os fracos, mas com certeza é algo que vale muito a pena, pois é muito interessante. Para quem entende minimamente de anatomia, então, é incrível ver a quantidade de vasos que há na região dos intestinos e dos pulmões, ou como o crânio é irrigado.

É claro que não se podia fazer fotos lá dentro, por isso mais uma vez tenho que lançar mão de fotos retiradas da internet.

Saindo da capela fui conhecer a catedral de Nápoles, uma belíssima construção bastante gótica na decoração, apesar de ser muito iluminada, e era realmente muito bonita. A catedral é dedicada a San Gennaro, santo e mártir padroeiro de Nápoles, cujo sangue está contido em duas ampolas guardadas a sete chaves na catedral e que três vezes por ano se liquefaz (o sábado antes do primeiro domingo de maio e nos oito dias sucessivos, 19 de setembro e 16 de dezembro), no conhecido milagre de San Gennaro, tradicionalmente tido como indicação de que  a cidade será poupada de uma grande catástrofe.
Nave principal da catedral de Nápoles.

Até hoje não se conseguiu explicar a liquefação do sangue, e logicamente há muitos debates e muita polêmica a respeito. De acordo com o CICAP (Comitê Italiano para o Controle de Afirmações Paranormais, numa livre tradução), pode se tratar de uma substância tixotrópica, ou seja, uma substância que pode mudar a sua viscosidade se submetida a uma excitação mecânica.

O CICAP inclusive conseguiu reproduzir uma substância semelhante, com materiais disponíveis na época em que as ampolas são documentadas pela primeira vez (séc. XIV), mas que não durava mais de dois anos. Quanto à tixotropia, a cúria de Nápoles rebateu, perguntando por que então o sangue não se liquefez naquele ano (1976), apesar dos oito dias de espera. De fato, em alguns anos o milagre não acontece. Além disso, muitas vezes o sangue já está em estado líquido quando se abre a o relicário onde está guardado, como aconteceu este ano.

O que é comprovado cientificamente é que o conteúdo das ampolas é efetivamente sangue, resultado obtido em dois testes espectrológicos, um de 1904 e outro de 1989, este último realizado por uma equipe do Instituto de Medicina Legal da Universidade de Turim.

Quando o sangue se liquefaz,  o acontecimento é celebrado com pompa e circunstância. Repicam os sinos na cidade inteira. Nápoles está em segurança, os napolitanos podem dormir em paz. Por acaso a primeira liquefação do sangue ia ser no sábado daquela semana, mas infelizmente eu já estava com a passagem de volta comprada, senão teria prazer em assistir tudo.

Saí da catedral e fui caminhando ao longo do porto em direção ao palácio real, que gostaria de visitar. O tempo não havia melhorado, e a cidade apresentava-se feia como nunca. Estava deserta, das maiores avenidas às mais estreitas vielas. Era estranho, nada a ver com a Nápoles que eu havia ouvido falar, tão alegre e cheia de vida. Chegava a ser assustador caminhar assim sozinho, porque a sensação é que a qualquer momento você vai ser assaltado.

Zona portuária de Nápoles, certamente não o melhor lugar para um passeio.


Quando passei em frente ao Maschio Angioino, um imponente castelo que integrava as defesas da cidade, concluí que levaria muito tempo para chegar ao palácio real e que não daria tempo de visitá-lo, portanto optei por conhecer o castelo. Foram os 6 euros mais mal empregados da minha vida, pois dentro não há praticamente nada.
Maschio Angioino.



A única coisa um pouco mais interessante é a Sala dos Barões, uma gigantesca sala quase cúbica, com 26 metros de largura por 28 de altura, e uma coleção de pinturas. No final da tarde o sol começou a aparecer, e da sacada do castelo fiz uma bela foto do porto com o Vesúvio ao fundo, ainda com um capucho de nuvens sobre ele. Quem sabe o dia de amanhã será mais bonito!

O porto de Nápoles com o Vesúvio ao fundo.

O dia seguinte realmente foi muito melhor. Na minha segunda visita a Nápoles, fui ao Museu Arqueológico Nacional, onde estão abrigados fundamentalmente os objetos encontrados em Pompeia. Havia uma incrível coleção de estátuas, cada uma mais bonita e surpreendente que a outra.

Uma das mais belas era O Touro Farnese, que é a maior escultura do mundo antigo. É impressionante como escultura, pela dramaticidade e pela quantidade de personagens.

O Touro Farenese.

Para quem vai a Nápoles, o Museu Arqueológico Nacional é imperdível. Há uma maravilhosa coleção de estátuas, a maioria da antiguidade clássica, um incrível mosaico gigantesco de Alexandre, o grande, derrotando os persas e uma infinidade de objetos e afrescos de Pompeia, estes últimos logicamente são os mais conservados e os mais bonitos da cidade; e além disso não tem nenhum Fulano ama Fulana ou coisa do gênero rabiscado em cima.

Detalhe de um dos belíssimos afrescos de Pompeia.

Uma coisa curiosa do museu é o "Gabinete Secreto", que oficialmente não é indicado aos menores de 14 anos e conserva muitos dos inúmeros objetos eróticos e sexuais encontrados em Pompeia. Há estatuetas obscenas, lâmpadas decoradas com pênis, afrescos representando as mais variadas posições sexuais, pênis alados, etc. Achei engraçado descobrir que o órgão masculino era considerado um amuleto de boa sorte, e muitos carregavam uma espécie de chaveiro com aquela forma. Há ainda um quadro esculpido em pedra que era usado para indicar onde havia um bordel, representando um falo ereto com a frase "HIC HABITAT FELICITAS", ou seja, "aqui mora a felicidade". Esses romanos...

"Aqui mora a felicidade"

Como sempre, eu, como um bom "museomaníaco" fiquei muito mais do que esperava no museu e não dava tempo para ir a outro, então eu saí fiquei vagueando pela cidade para conhece-la melhor, descobrindo ruas e vielas, olhando as lojas e seus artesanatos maravilhosos, e em alguns momentos me perdi, apesar do meu bom senso de direção, pois Nápoles é uma cidade realmente muito confusa. A última vez foi até um pouco assustador, porque estava ficando escuro e eu acabei aparecendo em um bairro muito mal encarado.

Aliás, quando visitarem Nápoles fiquem muito atentos aos bolsos. Não me aconteceu nada, por sorte, mas os batedores de carteira napolitanos são muito, muito mesmo, habilidosos. Em um momento você pode se dar conta que sua carteira sumiu, com todos os seus documentos, e você não sabe como, quando, nem onde isso aconteceu.


Uma viela tipicamente napolitana.

Nápoles, fui concluindo aos poucos, tem a beleza do exótico. Não é de fato uma cidade bonita. As ruas são estreitas, mal iluminadas, com prédios velhos, mal cuidados e altos, com os varais atravessados sobre as ruas. Mas não deixa de ter um certo fascínio, um charme próprio.

Um ponto extremamente negativo é a sujeira. Nápoles é simplesmente a cidade mais imunda que eu já visitei em toda a minha vida. No meio das ruas, pilhas de lixo, montes. Descendo do palácio de Capodimonte, em uma curva eu olhei para baixo e fiquei horrorizado com a quantidade de imundice que jogavam no mato. O que me chamou a atenção foram roupas velhas penduradas nos galhos das árvores. Olhei para baixo, e tudo o que se pode imaginar estava jogado lá: sacos de lixo, comida, móveis, eletrodomésticos, etc.

Tetos no centro de Nápoles.

É verdade que a cidade sofre com o problema do lixo porque é lei na Itália que cada município administre os próprios resíduos, e como o lixo de Nápoles é controlado pela máfia, a máfia não faz o seu trabalho e cobra caro por isso. Por consequência, a cidade fica imunda, e o povo, que já não é limpo com o meio ambiente por natureza, fica ainda mais relaxado. Eles jogam tudo no chão, é horrível.

Uma coisa que achei no mínimo engraçada e muito interessante é o bom e velho baldinho. Quando os napolitanos recebem alguma encomenda em casa, para não ter que descer todas as escadas, porque aqueles prédios antigos não têm elevador, descem a partir da sacada um baldinho pendurado numa corda. O entregador coloca o objeto no balde e eles puxam de volta para cima. Vi duas vezes isto acontecer, é muito simpático.

No meu terceiro dia de visita à esta contrastante cidade eu fui ao museu de Capodimonte, antiga residência da família real napolitana. É maravilhoso. Fica sobre uma alta colina com uma vista incrível da cidade, da baía de Nápoles e do Vesúvio.

O palácio de Capodimonte.

Dentro, aposentos luxuosíssimos, móveis finíssimos,  objetos soberbos e uma extraordinária coleção de porcelanas de Capodimonte. Se tem uma coisa que os reis da Itália sabiam fazer era viver bem. Não é de se espantar; os italianos em geral fazem a bella vita como ninguém. Se você for um italiano rico e poderoso então!

O museu é outra atração que vale a pena. Depois, há um imenso parque ao redor do palácio, muito bonito. Voltei para a cidade caminhando. Diga-se de passagem, em Nápoles aconselho que se caminhe. É bom para ver a cidade. Com certeza não vale a pena pegar o transporte público, exceto talvez o metrô. Os ônibus são escassos, não têm muitos horários, são lotados e velhos (alguma semelhança com o Brasil?).

Certamente não dá para usar carro. Você, turista prudente, não tem um quinto do desvario dos motoristas napolitanos, em cuja cidade as pessoas andam na rua e os carros na calçada. Se você encontrar um carro que não esteja amassado, é porque acabou de sair da concessionária. Inclusive muitas seguradoras não cobrem Nápoles deliberadamente.

Caótico trânsito em Nápoles.

Durante a tarde fiz um passeio realmente muito interessante, que é a Nápoles Subterrânea, onde você é levado a conhecer as antigas cisternas romanas da cidade, a dezenas de metros de profundidade debaixo da terra.

O subsolo de Nápoles, assim como o de Paris, é um queijo suíço. Completamente esburacado, porque debaixo da cidade há grandes minas de tufo calcário,  rochas muito maleáveis fáceis de trabalhar. Quando os antigos gregos e, posteriormente, os romanos faziam uma obra na cidade, eles simplesmente escavavam um buraco no local da obra e mandavam as pedras para a construção diretamente para cima.

Isto criou uma série de galerias interconectadas que se estendem em todas as direções sob a cidade, que tempos depois os romanos decidiram enchê-las de água e espalhar poços para a distribuição de água. Assim, cada casa que quisesse ter água bastava escavar um poço até a cisterna lá embaixo.

É claro que cisternas assim exigiam manutenção, porque caía dentro folhas e sujeira, que deviam ser removidas. Este trabalho cabia a uma classe de profissionais chamada os pozzari que, para exercer esta atividade, deviam ser baixos, fortes e ágeis, pois desciam e subiam por todos os poços estreitos e tinham que se agarrar às paredes enquanto passavam na superfície da água uma rede parecida com as atuais redes de limpar piscina, para retirar as folhas que boiavam.

Nápoles Subterrânea: Um dos passeios que mais vale a pena fazer.

Ora, se estes homens podiam se mover pela cidade inteira através das cisternas, e se a maioria das casas possuíam um poço, eles tinham livre acesso a quase todas as residências da cidade. Logo, quando não eram bem pagos, subiam pelo poço até a casa do seu devedor e roubavam objetos de valor.

Imagine o susto de alguém que encontra aquela criatura baixa e rápida, vestida de preto (que era o uniforme) e que desaparece num passe de mágica. É lógico que a mente criativa dos homens daquele tempo iria acreditar que se trata de algum espírito que faz as coisas desaparecerem.

Ou, em contrapartida, muitas vezes o pozzaro vinha frequentar a dona da casa enquanto o marido trabalhava, muitas vezes trazia presentes, e para explicar o aparecimento daqueles objetos na casa a mulher dizia que foi o mesmo espírito que trouxe. Então o marido ficava todo contente porque, apesar de corno, tinha a sua casa abençoada por esse ente.

Assim, aos poucos surgiu em Nápoles a lenda do monaciello, um espírito maligno ou benigno que pode abençoar uma casa (quando traz presentes) ou amaldiçoar (quando rouba) e que se apresenta sob a forma de um pequeno e ágil monge, devido a sua capa escura.

As cisternas foram a principal fonte de distribuição de água de Nápoles até 1885, quando foram abandonadas devido a uma epidemia de cólera grassou a cidade e substituídas por um sistema mais moderno.

Durante a Segunda Guerra Mundial foram transformados em abrigos para bombardeios, e todos os poços foram fechados, pois uma bomba pode facilmente entrar em um deles. Lá, de fato foram encontrados muitos objetos e brinquedos da época, pois muitas famílias passaram a morar ali depois que suas casas foram destruídas. Me impactou bastante quando encontrei, rabiscada em uma parede, a palavra aiuto (socorro)        e o desenho de uma bomba.

Desenho de bomba original da Segunda Guerra.

Por fim, uma das partes mais interessantes deste passeio underground        literalmente        foi quando nos deram a cada um uma vela, apagaram todas as luzes e fizemos o trajeto de uma cisterna a outra através de uma das galerias que as interligava. O que é peculiar neste passeio é que, além de ser feito dezenas de metros abaixo da cidade à luz de velas, a galeria possui 75 metros de comprimento, 10 metros de altura... e 50 cm de largura.

Pode ser um tanto claustrofóbico, mas me diverti um monte fazendo essa caminhada. Depois passamos por uma cisterna que abastecia um poço público e outra que abastecia uma casa particular, todas interligadas para a alegria do monaciello.

A excursão termina no soterrado teatro de Nero, um teatro construído a mando deste imperador excêntrico que adorava apresentar-se atuando ou tocando lira. Ele tinha certeza que tocava bem, tanto que, dizem, durante uma sua apresentação ocorreu um terremoto, e ele proibiu que a população fugisse do teatro porque dizia que era a Terra aplaudindo o seu talento.

Presunçoso ou nãho, o fato é que com essa atitude ele salvou a vida de muita gente, pois aquele teatro era uma das primeiras estruturas antissísmicas do Ocidente, construída através de um novo sistema que misturava a opus reticulatum, que amortecia a energia do terremoto, com a opus latericium, que bloqueava a energia amortecida. Foi um passeio muito interessante e uma das coisas que eu mais gostei de visitar em Nápoles.

Depois caminhei até a praça del Plebiscito, onde está o palácio real (aquele que eu queria visitar, lembram?). Já estava fechado e estava entardecendo, mas eu voltaria no dia seguinte para vê-lo. Então comprei um sorvete e sentei-me a beira-mar para apreciá-lo enquanto admirava o Vesúvio, pacífico e sereno do outro lado da baía (por quanto tempo se manteria assim?).

A ampla Piazza del Plebiscito.


Palácio real napolitano na Piazza del Plebiscito.
Eu poderia compor uma ode aos sorvetes italianos, pois nunca encontrei nada, nada mesmo, que se pudesse comparar. São deliciosos. Sorvete de pistache não se assemelha em nada com qualquer coisa que um brasileiro possa ter tomado sob o nome de pistache. Tem gosto de pistache mesmo, é feito disso. Chegava a ser estranho, uma contradição sensorial. Comemos o pistache sempre salgado, mas no caso o doce tinha gosto de pistache!

Além disso, quanto mais ao sul se vai na Itália, melhor fica o sorvete. Só a apresentação é linda, arrumado nas sorveteiras cheias de voltas e floreios, decorados com frutas e pedaços de noz. Uma coisa ímpar! Só de vê-los e de se salivar como um cão raivoso.

Voltei para Sant'Agnello para dormir, pois infelizmente não consegui arrumar um hostel em Nápoles, mas retornaria no dia seguinte para o meu último dia de turismo na Itália.

Fim de tarde com o Vesúvio.
Na manhã seguinte, fui caminhando sob o delicioso sol primaveril (bem aquele sob o qual Álvares de Azevedo queria deitar-se de novo) até Sorrento, para comprar umas coisas, e em seguida fui até a estação tomar o trem para Nápoles. Entrei, sentei, esperei. Mas o trem não partia. Depois de muito tempo, quando todos se perguntavam afinal porque o trem não saía, os autofalantes da estação anunciaram que naquele dia os trens não iam partir mais, e ponto final. Estourou um pandemônio.

Todos saíram indignadíssimos do trem, a maioria turistas de países mais ordenados, como o Brasil, por exemplo, gritando e esbravejando e perguntando aos guardas porque diabos os trens não sairiam mais. Os guardas, por sua vez, fingiam não falar inglês para não se incomodarem, e a coisa continuava. No fim, quando praticamente foi necessário extorquir dos funcionários da estação a razão pela qual tanta gente perderia o seu voo, ônibus, trem de volta ou passeio, os autofalantes soaram de novo, explicando que os trens não partiriam por problemas técnicos na linha.

Imagine a reação que isto não causou. Eu estava sereno, pois já havia chegado preparado no sul da Itália para este tipo de coisa. Aqui, não se faz planos, se vive o momento. Quem faz planos se frustra, sofre, porque nunca vai conseguir levá-los a cabo. Afinal, sempre vai surgir um imprevisto que o desvia da rota. Saí da estação deixando para trás o que mais parecia a tomada da Bastilha e passei o dia entre Sorrento e Sant'Agnello, conhecendo melhor o local. Depois descobri que vândalos revoltados haviam danificado 40 dos 49 trens da companhia naquele dia. Se o serviço já era ótimo com quase 50 trens, imaginem só com nove! Ainda bem que eu estaria a quilômetros de lá.

Foi uma pena porque eu queria conhecer mais coisas de Nápoles, mas paciência. Vai ficar para uma próxima. Concluí que Nápoles é realmente uma cidade que você aprende a gostar, como a cerveja ou o chimarrão, que dificilmente são gostosos ao primeiro gole. Foi uma pena que não consegui hospedagem na cidade, pois era feriado e tudo estava cheio, porque teria contribuído muito para viver mais o lugar, sentir a sua atmosfera, além de me poupar do desconforto de fazer uma hora de trem todos os dias.

Não vou dizer que gostei da cidade como cidade, não me causou a impressão que eu esperava, nem de longe me pareceu o que dizem as músicas, os filmes e as poesias. E justamente por isso voltaria mais uma vez, para dar outra chance a Nápoles.

Quanto aos napolitanos da província, mais de uma vez confirmaram o fato de que são simpáticos e acolhedores. Quando você precisa de algo, ou chegar a algum lugar, eles praticamente o carregam no colo. Na cidade de Nápoles, porém, achei alguns mais mal humorados. Me pareceu que os napolitanos em geral se aborrecem e se alegram muito rapidamente, passando de um estado a outro com uma velocidade incrível. Portanto não vale a pena levar a sério quando alguém se aborrece com você, muito menos entrar na briga!

Procissão em Sant'Agnello. A população do sul da Itália continua
fortemente religiosa.

Agora, em relação aos lojistas, é uma tristeza. Eles nem sequer olham para você. Inúmeras vezes entrei numa loja, olhei tudo, mexi em tudo, e o vendedor nem saía detrás do balcão.

Concluí que Nápoles é uma cidade de contrastes. O feio e o belo, o sagrado e o profano, o macabro e o divino, a vida e a morte. Tudo está um ao lado do outro. É também uma cidade de folclore, de mistério e de fé, o que certamente lhe confere uma personalidade única.

Terminei o dia comendo uma bela pizza e assistindo a uma grande procissão que aconteceu em Sant'Agnello, com coro, banda marcial e tudo o que havia direito. Muito bonito de ver. É interessante como no sul da Itália as pessoas são religiosas, mesmo os jovens. Muito mais do que no norte, onde as igrejas são mais cheias de turistas que de fiéis.

Por fim, caminhei naquela noite cálida até Sorrento, e descobri que estava tendo alguma festa da cidade, pois haviam montado um palco onde acontecia um show. Apresentava-se uma banda local de rock, com todos os integrantes mais que sexagenários, tocando as músicas da sua época modernizadas          o que me deu uma pontada de inveja, como eram boas as músicas do tempo deles!

Show na praça de Sorrento.

Além do quê, tocavam e cantavam muito bem. Tinha um senhor que, ao cantar El Porompompero, soltou um vozeirão por trás de seus alvos bigodes que eu nunca poderia imaginar. De se aplaudir em pé (se não estivesse com um copo de limoncello gelado nas mãos).

E assim encerrei a minha primeira viagem pela Itália, entre goles de limoncello e música ao ar livre. Amei, como sabia que iria amar, este país maravilhoso, cheio de cultura, de paisagens, de cores, de cheiros e de sabores, onde o povo faz a bella vita melhor do que política, e justamente por isso consegue ser feliz, apesar de todos os seus problemas.

Embarquei na manhã seguinte, na estação Garibaldi, na possante Freccia Rossa e subi a Itália a 300 quilômetros por hora, tão rápido que mal dava para ver as paisagens. Surpreendentemente, talvez porque estão tentando promover este novo sistema de trens, a passagem de primeira classe estava absurdamente barata naquele dia, então foi inevitável comprá-la e experimentar um pouco desse luxo.

Devo dizer que, ao menos na Freccia Rossa, não é que muda muito. A grande vantagem é que você tem espaço na poltrona para se espichar em todas as direções, o que é um alívio para pessoas altas como eu. Além disso, serviram uns biscoitos que fariam rir uma formiga, tão pequeno era o tamanho e a quantidade, além de alguma bebida.

Cheguei de noite na Suíça, onde estou embasado, e tive tempo apenas para fazer um passeio no norte da Itália, ainda, antes de embarcar para uma nova viagem. Desta vez iria para a ponta mais ocidental da Europa, conhecer a cidade que deu origem a tudo o que hoje nós chamamos de Brasil.

*"E nos custa lágrimas esta América
A nós napolitanos
A nós que aqui choramos o céu de Nápoles
Como é amargo este pão!"